sábado, 27 de fevereiro de 2016

A morte de um diacrítico vivo



     A extinção do trema - sinal diacrítico - pode gerar, em curto prazo, certa confusão no falar da língua. Antes do último acordo ortográfico, tínhamos o velho e bom dicionário para nos ajudar diante desse caso - e de outros também. Na dúvida, recorríamos a ele a fim de saber se a palavra recebia o sinal indicativo de trema ou não. Na presença do diacrítico, o grupo silábico "güe", "güi", "qüe" e "qüi" era pronunciado. Vamos pegar a palavra “quiproquó” como exemplo, agora grafada sem o trema. Na busca pelo termo nos dicionários, vemos que a palavra significa confusão, equívoco, mal-entendido e que o termo “qui” recebia o diacrítico, sendo assim a pronúncia era - e continua sendo - diferenciada "qüiprocó". Era esse o porquê do trema! Agora, como não há mais o seu registro nos dicionários, aquele que, porventura, deparar-se com uma palavra que possua pronúncia diferenciada nos grupos "güe", "güi", "qüe" e "qüi" e desconhecê-la, talvez encontre dificuldade na pronúncia, ainda que recorra à ferramenta dicionário. 
     A referência ao dicionário, nesse aspecto, perdeu-se, pelo menos a dos simples dicionários de bolso que não se aprofundam nas questões voltadas à fonética e à fonologia. Há, em língua portuguesa, no entanto, palavras cujas pronúncias se dão, frequentemente, fora do padrão culto da língua. E para quem acha que o trema era algo banal, dispensável e que merecia, de fato, ser extinto, trago à tona a seguinte questão: Como você pronuncia as palavras extinguir, distinguir, quatorze, questão e adquirir? Os grupos “gui”, “qua”, “que” e “qui”, dessas palavras, nunca receberam trema, mas, ainda assim, há quem diga, erradamente, “extingüir", “distingüir", "qüatorze", "qüestão", "adqüirir”. Ainda que esses grupos silábicos não sejam pronunciados, há palavras que admitem dupla pronúncia, dentre elas: liquidação (ou “liqüidação”), liquidificador (ou “liquidificador”), sanguinário (ou "sangüinário"), líquido (ou "líqüido"), antiguidade (ou "antigüidade"), etc. E agora, a quem recorreremos se a dúvida sobre a pronúncia de certo termo, antes marcado pelo trema, surgir? Talvez ao velho dicionário, o de antes do acordo e, ao nos depararmos com a palavra com o diacrítico, saberemos, assim, que aquele grupo merece pronúncia diferenciada, embora não receba mais o sinalzinho, antes temido por muitos, mas que, no meu entendimento, já faz enorme falta e nunca foi escusado. O trema esclarecia, dava precisão e, sobretudo, enriquecia a língua. O trema, como é sabido, não existe mais, todavia isso em nada altera a forma de pronúncia das palavras que o recebiam. É preciso, agora, ainda mais atenção! Atenção agora voltada à forma de falar.

É isso!

P.S.: A palavra quatorze/catorze admite duas grafias, no entanto apenas uma pronúncia: catorze. Vale salientar que, em língua portuguesa, temos apenas três acentos gráficos: agudo, circunflexo e grave. O trema não é acento gráfico; é sinal diacrítico extinto, mas que ainda se mantém em alguns sobrenomes e marcas, como: "Citroën", "Müller", "Bündchen", etc.

Abraços a todos! 


A semântica das expressões idiomáticas

   São muitas as expressões idiomáticas, em língua portuguesa, usadas em sentido contrário. Esses dias, ao passar por uma cerca de alta tensão, aqui perto de casa, li a seguinte inscrição: “Não se aproxime, risco de vida”. Se não fosse pela figura da caveira presente na placa e pela certeza de que nascemos só uma vez, poderia deduzir que, ao tocar na grade de metal, nasceria de novo. Sendo assim, risco de vida só devemos usar quando um bebê está prestes a nascer. Depois de nascido, todos nós só corremos um risco: o de morte! Outra expressão que causa estranheza aos ouvidos apurados é a expressão “correr atrás do prejuízo”. Pessoa esperta e sã que se preze corre sempre atrás de lucros, não é mesmo? 
     Em outro caso particular, presenciei minha advogada trocar certa expressão idiomática  e mudar todo o sentido daquilo que eu gostaria que fosse dito e daquilo que, certamente, ela gostaria de dizer. Na audiência, a advogada afirmou ao juiz que a lei iria "de encontro" ao cliente dela, no caso, de encontro a mim. Sem dúvida a ideia pretendida ali era a de dizer que a lei se fazia favorável a mim; no enanto, sem querer, ela acabou dizendo o oposto. A expressão que deveria ser empregada naquele contexto era “ao encontro”, que é o mesmo que ir a favor. 
  Felizmente venci a causa. O desvio deve ter passado despercebido, também, pelo juiz, sem que fosse preciso que eu interviesse no discurso. Mas depois, discretamente e só para ela, comentei o desvio à gramática.

É isso!


Abraços a todos! Assim, sem o acento indicativo de crase.